Por Rithyele Dantas da Republica.org
"Eu sempre gostei muito de gente e de ciências, meu pai queria que eu fosse médico, mas eu queria fazer pesquisa, descobrir algo! Por isso fiz biomedicina."
Eduardo Bezerra, de 42 anos, é pernambucano e pai de Francisco. O profissional público é um homem negro que, como milhões de brasileiros, também tem ascendência indígena. O "peso" de sua negritude veio logo cedo, diferentemente de sua descoberta como indígena.
"Ser preto se descobre na prática. Meu pai odiava que eu usasse boné. E sempre me orientou a entrar em loja com o saco amarrado e a blusa pra dentro. Fazer isso era me proteger. Minha ascendência indígena foi uma descoberta tardia, foi quando entrei na universidade que comecei a descobrir que também sou de etnia Xukuru."
Os Xurukus vivem na cidade de Pesqueira, a última do agreste pernambucano. Eduardo se orgulha ao dizer que o povo do qual tem ascendência é dos mais atuantes na luta por direitos indígenas no país. Mas também conta que sua família resiste em buscar essa aproximação com a comunidade: "Eu fui um dos únicos da minha família que buscou esse vínculo. Hoje eu e um primo temos a carteirinha de indígenas".
Eduardo tem muita história pra contar: entrou na Universidade Federal de Pernambuco em 1997, fez estágio com veneno de cobras e foi neste momento que descobriu que seu maior interesse era saber como as pessoas estavam, se comportavam e adoeciam - não necessariamente as substâncias do veneno.
"Eu não sabia que isso se chamava saúde pública, mas era sobre isso também."
Muito jovem, ainda aos 23 anos, assumiu a gerência da Pessoa Idosa na Secretaria de Saúde do Recife, capital de mais de um milhão de habitantes. Foi neste momento que entrou no mundo das políticas públicas de vez. Participou
de diversos projetos importantes para todo o país, como a criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, o SAMU, e das Academias da Cidade, projeto que estimula a prática de exercício ao ar livre no Recife. Outro fato muito importante da vida de Eduardo foi a construção de políticas pela Organização Mundial da Saúde. Hoje em dia, o profissional público está trabalhando num programa que pensa no envelhecimento. Ele destaca que as políticas públicas não podem esquecer disso, afinal, falar de COVID, também é falar de envelhecimento. Eduardo foi um dos poucos representantes da América Latina no programa da OMS e um dos únicos experts de referência para a África e o Oriente Médio. Mas lamenta: "aqui no Brasil isso é ignorado!"
Leia abaixo, outros trechos da nossa entrevista com Eduardo Bezerra.
- Eduardo, hoje você trabalha em Goiana, município de Pernambuco, na área da epidemiologia, que é uma área bem ligada às políticas públicas em saúde. Por que escolheu essa área?
"Eu sou apaixonado pela epidemiologia. Amo trabalhar com indicadores na saúde, entender por que as epidemias são mais fortes em determinadas pessoas ou lugares e em outras não."
- Como está sendo o impacto da COVID para profissionais de saúde do SUS, como você?
"Os dias têm sido difíceis, mas a saúde pública é o grande amor da minha vida. Essa não é a primeira situação complicada que a gente vivencia. Em 2002, a gente teve um surto de dengue muito pesado em Pernambuco, muitas mortes. Em 2015, eu estava na vigilância de Porto de Galinhas, lá tivemos um surto forte de microcefalia. Esse momento tem sido difícil porque o epidemiologista apanha de manhã de quem diz que inventamos dados e à noite de quem diz que estamos escondendo dados."
- Como está sendo trabalhar em meio a uma onda crescente de negacionismo na ciência? "Vivemos numa crise ideológica. Muitos negacionistas querem comparar com a revolta da vacina, mas naquela época nem se sabia o que era a vacina. A vacina tem mais de 100 anos e não ouvimos casos de pessoas que morreram por causa dela. Mais difícil que lidar com a pandemia é lidar com fake news. Mas algo muito difícil como profissional da saúde na pandemia foi estar tão perto da morte. Eu tive que dar a notícia de morte pra pelo menos 30 famílias e o pior foi explicar que eles não podiam se despedir." - E para se opor a esse fenômeno, como os governos locais podem atuar para fortalecer a ciência? "O governo federal tem sido nosso grande atraso, o presidente especificamente. Poderíamos fazer combate mais efetivo. Mas estamos com um ente que não tá boiando com a gente. Nossa comunicação científica é ruim, não é fruto só de fake news não, mas também de notícias mal construídas."
- Voltando para o ponto central da nossa campanha: onde estão os negros na saúde? E como o racismo se organiza também na saúde? "O negro está onde o serviço acontece, onde o esforço é feito, onde o trabalho braçal é o principal. Dificilmente ele vai estar nos campos de gestão e gerência da saúde, nos cargos de secretários ou ministros. E muitos negros que chegam ainda reproduzem lógicas de hegemonia branca. De vez enquando um é sorteado. Eu não abro a mão da minha forma de pensar. O negro não está onde acontecem as assinaturas, mas onde os corpos são carregados."
- Por fim, uma pergunta muito importante para nós da República.org. Na sua opinião, qual a importância dos governos para a sociedade brasileira? "Governos importam sim! Vivemos em coletividade, precisamos ter governos que conjuguem as expectativas e anseios das pessoas. Governos são importantes, mas precisamos ter a ideia de como governos são constituídos, precisamos estar representados nesses governos."
Confira a entrevista da atriz Ana Carbatti com o Biomédico Eduardo Bezerra:
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